Quando pequena ficava horas ouvindo as lendas do Boto, da Cobra-Grande e outros
mitos da Amazônia. Essa era a forma encontrada pelos meus avós (Joaquina e Teotônio)
para me ensinarem a respeitar a natureza e os limites que ela impõe ao homem.
No dia-a-dia também ajudava a regar as plantas do nosso jardim, o mesmo por onde brincava de pique-esconde, a cultivar a flor que desabrochava uma vez ao ano, a qual aguardava com ansiedade o espetáculo que nos presenteava por termos cuidado dela.
Na simplicidade do dia-a-dia vivi momenos inesquecíveis. O maravilhoso banho nas águas do rio Afuá, onde aprendi a nadar e também a gostar das pescarias em família em noites lindas de luar e céu estrelado. Outras dessas noites, ajudava meus avós a tecer o algodão utilizado para 'calafetar' os barcos usados pelos ribeirinhos.
Sentar com a família a sombra da mangueira, de onde tirávamos seu fruto e nos deliciavamos nos fins de tarde, sem receio em se lambuzar. O momento era de gargalhar com as lembranças do passado nada distante dos dias que viviamos, ou buscar histórias de nossos bisavós, pintar as unhas, inventar penteados. Pura descontração.
A hora do lanche ou do almoço em que os assentos ao redor da mesa ficavam cheios, sempre havia lugar para mais um que chegasse atrasado, manteve em minhas recordações o sabor do tempero de minha vó.
No Círio de Nossa Senhora da Conceição ou no Festival do Camarão, festas tradicionais da cidade, nos encantavámos com as coisas que vinham de Macapá. O Parque de Diversões era lugar certo para ser visitado todas as noites. Hoje, retorno nele para apreciar meus sobrinhos (André, Paula, Hugo, Victor) se divertirem.
Acompanhar meu avô até o campo de futebol, onde os jogos eram comemorados por torcidas fanáticas, era motivo de felicidade, principalmente no fim da partida, quando o sabor do sorvete de abacate ou de açaí era desfrutado. Sabor esse que só encontro aqui, nesta terra. Dentro de casa a divisão na torcida pelo Paisandú e Remo era encontrada nos copos, remos e camisas personalizadas.
Correr atrás de minha irmã (Karla) quando ela adorava me enfezar e unir-se à ela na hora de fazer bonequinhos de papel para colocar na rua com intuíto da chuva ir embora. Ver o pôr-do-sol com os amigos ao sabor do tacacá ou mingau de milho, depois de um dia de estudo. Brincar com os sapatos e brincos de minha mãe (Carmem), para ela ver que eu estava crescendo. Hoje brinco com os meus.
Dar uma volta na cidade, jogar queimada ou futebol, se deliciar com o chopp (famoso sacolé). Colocar a cadeira em frente de casa no fim de tarde e ver a noite passar na companhia de amigos e familiares. Viver os ensaios de quadrilha, danças folclóricas, o nervosismo em apresentá-las, as risadas ao rever as fotografias que resgistraram tudo.
Essa foi minha infância, minha adolescência, início de juventude, que logo depois ganhou o cenário do Amapá, seus rios, suas curvas, seu sabor. Nele também encontro a felicidade em sentar as margens do rio Amazonas, na companhia de amigos, ouvindo música regional ou MPB, comendo camarão (sempre).
Em Macapá aprendi a sentir o batuque do marabaixo, conheci corredeiras, cachoeiras, percorri rios, ouvi histórias, contei algumas, vivi outras. Vi a madeira do amor, encantada, passar pelo rio Araguari, atravessei as pedras do rio Amapari.
Em outro caminho, em outro lugar, no Acre, encontro novos caminhos, mas neles, sempre existem fragmentos desse passado tão presente em minha vida.
Hoje, com mais um ano de vida se aproximando, recordo o passado nesta terra e entro em estado de puro êxtase, mesmo com despedidas, recordo tudo com muita felicidade, amor e carinho, mas, sobretudo, respeito as minhas origens, minha vida, minha história. Por isso o registro. O que sou!
(Andréa Zílio)